21 de jul. de 2012

Fragmentos de Nostalgia.



Tijolo
Vermelho ou alaranjado,
Não importa, ela diria;
Que menino até comia,
Quando estava amarelado.


Hidrante
Vigiava minha entrada,
Com seu terno abotoado;
Ai de quando a molecada
Lhe chovia no molhado!


Entardecer
Vôvô, conte uma história?
Só depois do meu abraço!
Tudo bem. Conte agora?
(e ele olhava, sem demora
espantado em como Flora
era dona de seus traços.)


Xadrez
João, que era bom com o peão,
Não andava a cavalo;
Ritinha, que sonhava ser rainha,
Pôs-se a ensiná-lo.

Francisco, que era filho de um bispo,
Não andava na linha;
Ao provar do fruto proibido,
Se casou com Ritinha.

(Tiveram ainda um neném
Que batizaram Vanderlei;
Soltava pipa como ninguém
E chegou a ser Rei.)




Thuan Carvalho.

15 de jul. de 2012

Psicose.



Confesso que não sabia,
A hora em que você viria,
E por não saber, deixei por fazer
A barba que lhe arranharia.

A casa toda arrumei,
O álcool na pia entornei,
E por entornar, hei de embebedar
Seus restos que nunca encontrei.

Vesti o suéter vermelho,
Olhei-me defronte ao espelho,
E por refletir, pensei em partir
Por fim não segui meu conselho.

Quando foi a sua mudança?
Quem me roubou sua confiança?
E por me roubar, levou pra morar
O amor lado a lado à matança?

Aqui, cadente, inda estou,
Fixado, como me deixou,
E por me deixar, por não regressar
Foi como você me levou.




Thuan Bigonha de Carvalho.

11 de jul. de 2012

Romântico.




Maria, meu curto amor de infância,
Foi uma que amei entre mil;
Mas esta me permaneceu na ânsia,
Mudou-se em meados de abril.

Dez anos sem qualquer notícia,
E quem me aparece na porta?
Maria - meu deus, que delícia -
Quem és é o que menos importa.

Com o corpo inteiro movido,
Pela solidão que me consumia;
Fui ter com ela embebido
de minha alforria.

E constatei, assaz entristecido:

Também não havia
poesia
No gemido
de
Maria.



Thuan B. Carvalho

9 de jul. de 2012

Esotérica.


Fechou os olhos, consternada, e rolou novamente os búzios por sobre a mesa...

O movimento daquela vez fora diferente. A graciosidade envolvida superou qualquer lance anterior. Ambos os braços em concha, dois suspiros, os olhos fechados, narinas dilatadas, a boca numa prece silenciosa, e as pernas cruzadas numa prece inconsciente. O movimento com o pulso fez as tranças balançarem como se dançassem junto à fumaça que provinha dos incensos. Três incensos. Três lamparinas.


O pio da coruja foi trazido por uma coluna de vento que se arrastou molemente pela janela entreaberta, emprestando segredos os mais diversos ao ambiente, deitando contornos finais ao ato. 

Pensou em suicídio quando abriu os olhos, levantou-se, e, pela terceira vez naquela noite, encarou o rosto dele lançando luz àquela penumbra com seus olhos de amêndoa estrelada.



Nádja acordou com as mãos formigando, e a imagem retorcida de um homem que lhe parecia familiar povoando sua mente.

 Amaldiçoou seu sangue cigano, deu um beijo seco no marido e saiu para trabalhar.




Thuan B. Carvalho